Lenda do Tesouro do Poio

Vê-se um rei mouro na contingência de ter de fugir às pressas com sua corte, sem tempo ter de levar tudo quanto tinha, urgência essa que o fez deixar escondido, numa gruta ou buraca da Serra de Albardos, um tesouro constituído por jogo de paus e bolas em ouro maciço, mais uma capa do mesmo metal.

Corria o Séc. XII seus meados, com as hostes de Afonso Henriques a empurrarem a Mourisma para sul de Qulumriya e Leirena[1], vê-se um rei mouro na contingência de ter de fugir às pressas com sua corte, sem tempo ter de levar tudo quanto tinha, urgência essa que o fez deixar escondido, numa gruta ou buraca da Serra de Albardos, um tesouro constituído por jogo de paus e bolas em ouro maciço, mais uma capa do mesmo metal.

Que jogo seria esse não nos conta a lenda, porventura uma versão arcaica de bastões e bolas de cricket ou basebol, em que ganhava quem mais longe lançasse as ditas. Quanto à capa, talvez fosse tecida em malha de ouro, como as cotas e camais da época o eram em malha de ferro, imagine-se o avultoso valor da veste, que o rei envergava, majestático, para assistir aos rapazes jogando o referido passatempo.

Como soube o povo deste tesouro secreto deixado para trás também se não sabe, certamente tencionaria o emir recuperá-lo nalguma algara futura contra os Cristãos. O certo é que repassou, de geração em geração, o rumor de que a preciosidade se encontrava algures enterrada sob o alpendre do Poio, ou seja, junto à nascente da Pena, e que, no fabrico de tais utensílios, se haviam empenhado sete cidades do Al-Andaluz. Quais teriam sido elas não se sabe igualmente, porventura as mais prósperas a Sul e conhecidas: Al-Usbuna, Santarin, Yâbura, Baja, Martula, Silb e Santa Maria Ibn Harum[2], mas isto somos nós a inferir, e mais uma vez se adivinha, por tão vasto concurso de cidades, que avultadíssimo seria o valor do tesouro, motivo que levou os montesinos das redondezas, mormente os de Minde e da Mira, a não darem trégua a escavações e pesquizas, porém, malogradas lhes saíram. Que grande desilusão.

Começa o poviléu a deduzir que não deveria ser na Pena que ele estava, também nos parecia fácil de mais algum servo do rei ter-se desbocado e dito: «olhem, o meu amo deixou um monte de ouro escondido nas engelhas daquela gruta assim-assim», era o que faltava. Talvez esteja enterrado na Cova da Moura em Mirão, inventaram alguns, furna hoje inexistente por entulhamento, ou, quiçá, na boca do Regatinho, alvitraram outros, ou até numas galerias subterrâneas junto ao castelo do Picoto, num corcovo da Serra de Minde, onde se encontraram vestígios de castro ou atalaia[3]. Debalde buscaram e esgravataram faldas além, até que João Barreiros, um minderico rico acima da média, vivente em finais do Séc. XVII e princípios do XVIII[4], terá mandado os seus criados proceder a aturadas buscas por tudo quanto era buraco cársico nas vizinhanças, e, olhando ao seu farto viver e muito património que ajuntou, atribuiu-se-lhe a fama de ter encontrado o dito jogo de bolas e se ter fechado em copas, e ainda, como suplemento, um ídolo pagão também de ouro, de que não se sabia da existência. A ser verdade, grande sorte a de João Barreiros. Escapou-lhe todavia a capa. Essa nunca foi encontrada. Pelo menos é o que reza a lenda.

Um dia destes, sem querer nem da história saber, algum fortuito explorador de grutas está sujeito a deparar-se de chofre com ela, muito bem aconchegadinha, numa lapa qualquer.


[1] Coimbra e Leiria.

[2] Lisboa, Santarém, Évora, Beja, Mértola, Silves e Faro.

[3] A. de Jesus e Silva in O Portomozense n.º 131, de 10 de agosto de 1901, p.2.

[4] Abílio M. Martins e Agostinho Nogueira, Minde, História e Monografia, Minde, 2002, cap. 4.

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