“Se quiseres dar uma passagem por aqui e acreditar na sorte, podes subir ao miradouro neste lugar… “
Depois de semanas a chover, eis que surge um tímido anúncio de céu a abrir. Respondi à mensagem, ainda em Aljustrel, “Vou arriscar.”
O vento gelado e cortante compunha a paisagem junto do miradouro. Eu não estava só: um grupo de homens e mulheres vestidos a rigor para correr na serra, orientados por uma equipa de reportagem, com direito a imagens gravadas por um drone, partilhavam aquele monte comigo.
No local, onde o Miguel Tristão me havia indicado por mensagem, encontrei um parque de merendas com uma vista de perder a respiração. Estacionei e, a pé, atravessei a estrada com a máquina na mão. Que paisagem impressionante! A Mata que visitei em setembro, em pleno verão, estava completamente alagada. As copas das árvores, agora nuas, destacavam-se em tons de dourado e variantes de verdes entre o musgo e o oliva. Submersas no tal Mar de Minde, resultante da abundante chuva dos últimos meses. Há anos que queria ver este espetáculo e cá estava ele, à frente dos meus olhos.
Em luta desigual com o vento, tentava tirar umas fotografias que pudessem retratar com alguma veracidade o que os meus olhos testemunhavam. Ali, senti a presença de alguém junto de mim. Não me virei de imediato. Numa voz rouca, ouvi:
— É estrangeira?
Olho para trás e vejo um senhor sorrindo. Usava uma boina, um cachecol enrolado no pescoço, lenço branco de pano na mão e olhos lacrimejando.
— Está muito frio aqui. O senhor não tem frio? – disse-lhe eu.
O homem sorriu:
— Não tenho frio nenhum. Sou daqui. Essa paisagem mudou muito. Antes era um grande lago. Não havia mata. Havia apenas vinhas que ficavam totalmente submersas. É estrangeira?
— Vivo em Leiria — disse-lhe eu. Atravessemos para não apanharmos tanto frio.
Atravessámos a estrada de Santo António para junto do parque de merendas.
— As pessoas abandonaram as vinhas e foram trabalhar para as indústrias têxteis que se instalaram em Mira d’Aire. Vê este freixo? Fui eu que o plantei. — falava enquanto apontava para um freixo de porte pequeno.
Fiquei rendida à figura daquele senhor.
Disse-me o seu nome: “Professor Abílio Madeira Martins”.
— Professor? — perguntei-lhe.
— Professor da primária.
Fiz um retrato do Professor Abílio junto do seu freixo, que agora também é um pouco meu. Contou-me que no verão costuma subir a estrada de Santo António com o carro cheio de garrafões de água para regar o freixo. Mesmo ao lado do freixo, mostrou-me um monumento com uma menção e uns versos inscritos. A menção homenageia os promotores da construção daquela estrada. Ao fundo dos versos, os nomes Abílio Madeira Martins e Maria Cândida Correia Nascimento.
— Eu ajudei a construir esta estrada. — com o indicador apontava aquele caminho sinuoso e enchia os olhos de lágrimas.
— Professor, quem é Maria Cândida Correia Nascimento?
—Minha esposa, falecida há três meses.
O Professor Abílio foi também um dos fundadores do Jornal de Minde, ou seja, uma pessoa de destaque naquela freguesia. Ele e sua esposa doaram uma casa à Junta, onde funciona um pequeno museu, Casa da Memória. Contou-me mais algumas histórias e despedimo-nos. Eu estava a passar mal com o frio, mas o Professor Abílio, de 94 anos, nem por isso.
Pensando na minha sorte por ter conhecido o estimado senhor, eu que nunca tinha visitado Minde, e que só queria ver o Polje de Mira-Minde, desci até o centro da freguesia e fui à procura dos edifícios que o Professor havia identificado do alto do miradouro. Minde é pequenina, acolhedora e digna de uma visita. Conheci outros residentes do local tão simpáticos e acolhedores quanto o Sr. Abílio.
Antes de me despedir do Polje, a caminho de Mira d’Aire, ainda fui no encalço da nascente do Poio, ou Pena. Fui surpreendida ao encontrar enormes carvalhos, uma grande lapa e muita água a brotar da terra e a correr cheia de força, caminho afora, para juntar-se ao Mar de Minde.
Passados uns dias, depois dessa visita, agora que escrevo, imagino que a paisagem vista do miradouro seja outra, muito diferente. As copas das árvores terão outras cores, a água do Mar de Minde baixou, a força das nascentes diminuiu, a Mata começa a ganhar forma novamente. Não vejo a hora de lá voltar. Em março ou abril, talvez, altura dos pilriteiros em flor.