Muitas são as histórias da tua grandiosidade, da tua atividade quase metropolitana e do teu tecido industrial invejável.
Muitas são também as memórias dos grandes feitos do teu U.R.M., do ambiente fantástico que se vivia no velhinho (mas tão nosso) Campo da Fiandeira lotado em dias de jogo. Destes dias, vivas são também as memórias das tuas ruas repletas de apoiantes e que faziam quase lembrar uma qualquer movimentada avenida citadina. Este movimento era igualmente patente à hora de saída das centenas de trabalhadores que laboravam nas dezenas de unidades fabris em ti instaladas. Atualmente, estas memórias de ti, ou o que resta delas, encontram-se apenas guardadas nos olhos e corações daqueles que as viveram, olhos esses que se humedecem ao relembrar essa realidade tão díspar daquilo que és hoje.
Lembrado é também o estonteante movimento do café Cristal, as famosas sandes de ovo com chouriça acompanhadas de um copo de vinho do Zé da Quintinha ou, mais recentemente, as loucas noites que a Discoteca Dom Papagaio proporcionava às gentes que vinham um pouco de todo o país. Mas estas histórias não as vivi eu.
Relembro apenas, ainda que vagamente, uma mão quase cheia de bares que proporcionava às tuas gentes “menos experientes” noites e momentos de convívio e diversão. Mas até isso acabou.
À semelhança do que acontece um pouco por todo o país, os teus filhos mais novos vão saindo debaixo da tua asa e os mais velhos vão ficando para te fazer lembrar que estás viva e que não passas de uma memória entre as serras.
O que é que se passou contigo? Porque é que te tornaste tão triste, tão escura, tão sem cor? As tuas ruas, onde outrora se respirava vida e alegria, não passam hoje de caminhos quase desertos e inundados de uma insípida monotonia. As tuas gentes parecem desinteressadas, tristes, cabisbaixas, como se previssem para ti um fim próximo. As festas e eventos que se vão organizando a muitos custo, já não têm a vitalidade de outros tempos.
Oh minha Mira, tenho saudades de uma face de ti que nunca conheci.
Mas Mira, quando saio de casa no inverno e te vejo vestida de branco ou quando vislumbro os teus filhos a incendiarem-te o coração no Natal, tenho a certeza que não vou desistir de ti. Eu não desisto de ti! Não quero saber se o que te aconteceu foram simples vicissitudes da vida, o resultado de políticas locais ou o fruto do desgaste que os teus filhos te deram… EU NÃO DESISTO DE TI!
Tu és linda! Cada recanto teu, a tua verde paisagem serrana, as tuas misteriosas entranhas repletas de cavernas, estalactites e estalagmites, os teus olhos que se inundam de água todos os invernos, o cheiro da morcela acabada de cozer… tudo isto te torna única.
Não te prometo fidelidade eterna, nem tão pouco que nunca sairei debaixo da tua asa. Mas Mira, minha Mira de Aire, eu prometo-te que vou continuar a tentar promover o teu crescimento, vou continuar a tentar tirar as tuas gentes de casa e vou continuar a tentar torná-las mais felizes. Vou lutar todos os dias para que os teus filhos façam as pazes contigo. Não há nada mais triste do que uma relação de filiação baseada em rancor e tristeza.
Se vou conseguir? Não sei. Mas sei que tentarei até ao fim dos meus dias. No que depender de mim não morrerás, não serás esquecida e não te tornarás apenas naquela memória entre as serras que já te referi. No fundo do meu ser eu procuro quase diariamente a solução dos teus problemas, mas ainda não encontrei. Por enquanto, continuarei a procurar o que de melhor há em ti para manter este amor bem aceso como está desde que sou gente.
Eu quero-te grande! Podes voltar a ser grande por favor?
Com amor,
O teu filho
João Diogo Santos
(Republicação do texto originalmente publicado a 12 de outubro de 2016)