Em Janeiro de 1934, a 300 metros a norte da antiga Igreja Paroquial (na zona onde fica hoje a Travessa da Fiandeira), o trabalhador Américo Lavado Fiel encontrou a cerca de 90 cm de fundo, quando andava rompendo uma terra de José António Carvalho, um tesouro constituído por três joias de ouro.
Os apelidos dos mencionados intervenientes não nos são de todo estranhos, porém, desconhecemos de facto a sua identidade. Talvez alguém mais antigo da Mira saiba de quem se trata, ou até mesmo os próprios descendentes ou familiares, que certamente os haverá por aí.
As ditas jóias eram constituídas por dois cones idênticos de base larga, considerando a sua pouca altura, e uma fita ou diadema, de que se salvaram para o então denominado Museu Etnológico apenas alguns fragmentos. É o Doutor Manuel Heleno, famoso arqueólogo e na época vice-presidente do Instituto Português de Arqueologia, História e Etnografia, que do achado nos dá notícia na revista Ethnos, publicada em Junho de 1935[1] e afirma tratar-se de jóias provavelmente pertencentes à primeira metade da época do bronze, anteriores, portanto, à estada dos Romanos no nosso território. Faz-nos a sua descrição minuciosa e, com os elementos colhidos, consegue reconstituir em desenho as ditas peças (vide 3 figuras que se apresentam). Os cones eram de base igual com cerca de 12 cm de diâmetro e destinar-se-iam a ajustar-se aos vestidos femininos sobre os seios, como forma de embelezamento do traje. O diadema, ricamente trabalhado, ao ser encontrado media aproximadamente 18 cm de comprimento e a sua largura era superior a 6 cm, excepto numa das pontas, talhada em triângulo, faltando já a parte correspondente à outra extremidade. No local em que se deu o achado não se encontrou qualquer vestígio de enterramento, o que levou a crer tratar-se de um ripostiglio, ou seja, um tesouro que se confiara à terra para maior segurança. Os cones estavam com as bases justapostas e o diadema (ornato circular, muitas vezes de ouro e pedras preciosas, com que as mulheres cingem a cabeça) tinha as extremidades unidas como se fosse um anel. Ao ser nessa ocasião estendido, terá sofrido o primeiro quebramento, depois arrancaram-lhe pedaços para análise e o que restou terá sido “barbaramente enrolado e amachucado pelos ourives ambulantes que o adquiriram e levaram ao cadinho” (palavras do Dr. Heleno). As jóias juntas pesavam 165,4 gr. e o seu toque era de aproximadamente 20 quilates (o ouro puro tem 24), o que apenas pelo peso valeria hoje à volta de 7.400,00 euros (45,00€/gr.). Quanto ao seu valor histórico, esse sim, seria incalculável e pena foi que alguém ignorante as tenha trocado por umas escassas dezenas de escudos.
Para finalizar, a última notícia que temos do paradeiro dos três ínfimos pedacinhos que sobejaram deste Tesouro de Mira de Aire é de 1989 e afirma que se encontram depositados no Museu Nacional de Arqueologia, situado na ala ocidental do Mosteiro dos Jerónimos[2].
[1] HELENO, Manuel, Jóias pré-romanas, Ethnos, Lisboa, Vol. I, 1935, pp. 229-257
[2] ARAÚJO, Ana Cristina e ZILHÃO, João, Colecção Estudos N.º 8, Arqueologia no PNSAC, Serv. Nac. P. R. e Cons. da Natureza, Lisboa, 1991, p.85


